sexta-feira, 13 de março de 2015

O analfabeto político

O pior analfabeto, é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha
Do aluguel, do sapato e do remédio
Depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que
Se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil,
Que da sua ignorância nasce a prostituta,
O menor abandonado,
O assaltante e o pior de todos os bandidos
Que é o político vigarista,
Pilanta, o corrupto e o espoliador
Das empresas nacionais e multinacionais.
Bertold Brecht

O pior analfabeto é o analfabeto midiático.

Por Celso Vicenzi
 “Ele imagina que tudo pode ser compreendido sem o mínimo esforço intelectual”. Reflexões em torno de poema de Brecht, no século 21
Ele ouve e assimila sem questionar, fala e repete o que ouviu, não participa dos acontecimentos políticos, aliás, abomina a política, mas usa as redes sociais com ganas e ânsias de quem veio para justiçar o mundo. Prega ideias preconceituosas e discriminatórias, e interpreta os fatos com a ingenuidade de quem não sabe quem o manipula. Nas passeatas e na internet, pede liberdade de expressão, mas censura e ataca quem defende bandeiras políticas. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. E que elas – na era da informação instantânea de massa – são muito influenciadas pela manipulação midiática dos fatos. Não vê a pressão de jornalistas e colunistas na mídia impressa, em emissoras de rádio e tevê – que também estão presentes na internet – a anunciar catástrofes diárias na contramão do que apontam as estatísticas mais confiáveis. Avanços significativos são desprezados e pequenos deslizes são tratados como se fossem enormes escândalos. O objetivo é desestabilizar e impedir que políticas públicas de sucesso possam ameaçar os lucros da iniciativa privada. O mesmo tratamento não se aplica a determinados partidos políticos e a corruptos que ajudam a manter a enorme desigualdade social no país.
Questões iguais ou semelhantes são tratadas de forma distinta pela mídia. Aula prática: prestar atenção como a mídia conduz o noticiário sobre o escabroso caso que veio à tona com as informações da alemã Siemens. Não houve nenhuma indignação dos principais colunistas, nenhum editorial contundente. A principal emissora de TV do país calou-se por duas semanas após matéria de capa da revista IstoÉ denunciando o esquema de superfaturar trens e metrôs em 30%.
O analfabeto midiático é tão burro que se orgulha e estufa o peito para dizer que viu/ouviu a informação no Jornal Nacional e leu na Veja, por exemplo. Ele não entende como é produzida cada notícia: como se escolhem as pautas e as fontes, sabendo antecipadamente como cada uma delas vai se pronunciar. Não desconfia que, em muitas tevês, revistas e jornais, a notícia já sai quase pronta da redação, bastando ouvir as pessoas que vão confirmar o que o jornalista, o editor e, principalmente, o “dono da voz” (obrigado, Chico Buarque!) quer como a verdade dos fatos. Para isso as notícias se apoiam, às vezes, em fotos e imagens. Dizem que “uma foto vale mais que mil palavras”. Não é tão simples (Millôr, ironicamente, contra-argumentou: “então diga isto com uma imagem”). Fotos e imagens também são construções, a partir de um determinado olhar. Também as imagens podem ser manipuladas e editadas “ao gosto do freguês”. Há uma infinidade de exemplos. Usaram-se imagens para provar que o Iraque possuía depósitos de armas químicas que nunca foram encontrados. A irresponsabilidade e a falta de independência da mídia norte-americana ajudaram a convencer a opinião pública, e mais uma guerra com milhares de inocentes mortos foi deflagrada.
O analfabeto midiático não percebe que o enfoque pode ser uma escolha construída para chegar a conclusões que seriam diferentes se outras fontes fossem contatadas ou os jornalistas narrassem os fatos de outro ponto de vista. O analfabeto midiático imagina que tudo pode ser compreendido sem o mínimo de esforço intelectual. Não se apoia na filosofia, na sociologia, na história, na antropologia, nas ciências política e econômica – para não estender demais os campos do conhecimento – para compreender minimamente a complexidade dos fatos. Sua mente não absorve tanta informação e ele prefere acreditar em “especialistas” e veículos de comunicação comprometidos com interesses de poderosos grupos políticos e econômicos. Lê pouquíssimo, geralmente “best-sellers” e livros de autoajuda. Tem certeza de que o que lê, ouve e vê é o suficiente, e corresponde à realidade. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o espoliador das empresas nacionais e multinacionais.”
O analfabeto midiático gosta de criticar os políticos corruptos e não entende que eles são uma extensão do capital, tão necessários para aumentar fortunas e concentrar a renda. Por isso recebem todo o apoio financeiro para serem eleitos. E, depois, contribuem para drenar o dinheiro do Estado para uma parcela da iniciativa privada e para os bolsos de uma elite que se especializou em roubar o dinheiro público. Assim, por vias tortas, só sabe enxergar o político corrupto sem nunca identificar o empresário corruptor, o detentor do grande capital, que aprisiona os governos, com a enorme contribuição da mídia, para adotar políticas que privilegiam os mais ricos e mantenham à margem as populações mais pobres. Em resumo: destroem a democracia.

Para o analfabeto midiático, Brecht teria, ainda, uma última observação a fazer: Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Fonte: http://outraspalavras.net/posts/o-analfabeto-midiatico/?utm_source=feedly 

sexta-feira, 6 de março de 2015

Sindicato e ação política: a negação da política como herança da ditadura

Por Rudison Luiz Ladislau*

Nesses dias históricos de luta da educação paranaense, contra o retrocesso das políticas neoliberais, não há espaço para nenhum tipo de neutralidade, é uma conseqüência natural a necessidade de posicionamento político. A própria tentativa de ficar isento pressupõe uma escolha de lado, no caso, de quem está no poder.

Esse é um momento bastante interessante para fazer algumas análises, isto porque de certa forma fica evidente o posicionamento político da maioria dos sujeitos. De um lado aqueles que defendem o movimento de greve e de outros aqueles que tentam desqualificar e desmobilizar os educadores. Para esses últimos, uma das táticas encontradas tem sido a criação de boatos e desinformação, e para isso se diz de tudo, o objetivo é criar insegurança e medo. Outra tática tem sido a negação da política, e aqui cabe uma atenção a mais.

Falar de sindicato como ação política, bem como discutir a própria política partidária, ainda são temas delicados de abordar, mesmo no meio de educadores. Essa dificuldade de debate e entendimento, são marcas residuais  a serem superadas que tem a origem e demonstram a presença atual das forças de repressão ideológica da ditadura civil-militar, que dominou o país em um passado recente.

Durante a ditadura, aqueles que se opunham ao regime eram perseguidos, muitos desses foram presos, torturados, mortos e desaparecidos. No inicio foram os guerrilheiros, depois os militantes de partidos de esquerda, depois os sindicalistas, depois os intelectuais. O sindicalismo e a atividade política  tinham se convertido em crimes. Não existia a liberdade de expressão nem direito de reunião.

O medo do socialismo e comunismo se alastrava com a disseminação das representações desses como sendo coisa inferno e do capeta, ou seja, ia contra aos valores da família e da igreja, além dessas, outras acusações aterrorizavam o imaginário da população. A sua representação se dava pela cor vermelha.

A alienação chegava pelas TVs, jornais, filmes e outras tantas diversas formas de comunicação, até mesmo a forma escolar e as alterações nas matrizes curriculares buscavam uma educação apolítica. É disseminado o discurso da neutralidade. O objetivo maior é negar a política como algo determinante e mantenedor das relações e estruturas de opressão e poder.

Ainda hoje, muito se fala na formação crítica, mas poucos relacionam isso com a formação política. Ainda se concebe a política como algo externo aos indivíduos, como uma escolha pessoal, sem entender que o ser humano é um ser político por essência – desde o nascimento. É mantido os discursos apolíticos, orgulhosamente apresentado como se fosse um privilégio ou símbolo de grandeza e dignidade.

Para esses é preciso informar: a negação da política, em nenhum tempo histórico, em nenhum lugar do mundo, trouxe algo de melhor para a humanidade, apenas retrocesso e atos de desumanidade.

Mais do que nunca se faz necessário discutir política, analisar os projetos de sociedade em disputa, bem como pensar que ferramentas são essas: sindicato, partido, movimento social, central sindical. É preciso fazer as críticas necessárias, lutar e construir a nova sociedade da classe trabalhadora.


Referência: GALEANO, Eduardo. El fascismo en América Latina: carta a un editor mexicano. In.: GALEANO, E. Nosotros decimos no: cronicas 1963 – 1988. Buenos Aires: Veintiuno editores, 2012.
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* Professor na rede estadual de ensino. Dirigente da APP-Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná, Núcleo Sindical de Laranjeiras do Sul, ocupando atualmente a Secretaria de Políticas Sociais.